Reseña: Villalva, A. & Silvestre, J. (2014). Introdução ao estudo do léxico: descrição e análise do português. Petrópolis: Editora Vozes. 247 páginas.

Laura Campos de Borba

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Brasil

lauracborba@hotmail.com

Citación: Campos de Borba, L. (2015). Reseña: Villalva, A. & Silvestre, J. (2014). Introdução ao estudo do léxico: descrição e análise do português. Petrópolis: Editora Vozes. 247 páginas. Logos: Revista de Lingüística, Filosofía y Literatura 25 (2), 190-193. DOI: 10.15443/RL2517

Dirección Postal: Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Letras. Avenida Bento Gonçalves, 9500, Porto Alegre (RS), Brasil. 91540-000.

DOI: dx.doi.org/10.15443/RL2517

Não é frequente a publicação de obras que descrevam o léxico do português. Na melhor das hipóteses, o estudioso brasileiro pode recorrer a Mário Vilela (Estudos de Lexicologia do Português, 1994). Além de Vilela, há apenas estudos acerca da morfologia do português, tais como Joaquim Mattoso Câmara Jr. (Estrutura da Língua Portuguesa, 2001) e Luiz Carlos de Assis Rocha (Estruturas Morfológicas do Português, 2008). Diante desse cenário, Introdução ao estudo do léxico é uma obra que pode contribuir para a difusão dos estudos acerca do léxico da língua portuguesa. Seus autores propõem uma abordagem de estudos lexicais aplicada à língua portuguesa, com o objetivo de oferecer uma descrição do léxico dessa língua a estudantes de nível universitário. A obra está dividida em quatro capítulos, um apêndice de exercícios e referências bibliográficas. Cada capítulo está estruturado da seguinte maneira: inicia-se o capítulo com um texto introdutório; após esse texto, o assunto central do capítulo é apresentado através de uma série de subseções com temas específicos; ao final, há um resumo do capítulo, seguido de algumas sugestões de leitura.

É possível identificar três dimensões complementárias na obra. Na primeira, de cunho teórico, apresentam-se os principais enfoques que envolvem a investigação lexicológica em língua portuguesa. Na segunda, por sua vez, relaciona-se a investigação lexicológica à prática lexicográfica. Na terceira dimensão, oferece-se uma série de exercícios que propõem ao leitor a reflexão e aplicação do conhecimento teórico exposto nos primeiros capítulos sobre o léxico do português. A presente análise foca especialmente a segunda e terceira dimensões.

À dimensão teórica correspondem os capítulos 1, 2 e 3 da obra e suas respectivas subseções.

O primeiro capítulo intitula-se Léxico. Sua primeira subseção comporta três enfoques relacionados à noção de léxico. O primeiro deles diz respeito ao léxico dos sistemas linguísticos, ou seja, as línguas, suas variedades e os conceitos de norma e dialeto. Em termos gerais, pode-se afirmar que tais conceitos são pouco explorados pelos autores. As discussões acerca dessa noção de léxico poderiam ser complementadas através de algumas distinções, tais como: sistema (conjunto de oposições funcionais distintivas de uma língua); língua histórica (conjunto de variedades a nível diacrônico, diatópico, diafásico e diastrático que constituem uma língua na sua totalidade); língua funcional ou norma real (cada uma das variedades de uma língua histórica); e norma ideal (língua funcional/norma real que os falantes de uma comunidade elegem como referência para orientação no uso da língua). O segundo enfoque apresentado trata da noção do léxico a partir do conhecimento lexical de cada falante. De acordo com os autores, cada falante possui um léxico mental, ou seja, unidades lexicais armazenadas que lhe possibilitam executar operações de recepção linguística (léxico passivo) e de produção linguística (léxico ativo). O terceiro enfoque atribuído à noção de léxico trata do léxico enquanto parte da gramática, ou seja, como inventário de informações-base para a fonologia, a morfologia, a sintaxe e a semântica.

As demais subseções do capítulo 1 contemplam a história do léxico de língua portuguesa, os empréstimos lexicais presentes no português, a variação lexical entre o português peninsular e o português brasileiro e ainda a materialização de unidades prosódicas do português através do seu registro gráfico. É notável a preocupação dos autores em fornecer exemplos de contraste entre o português peninsular e o brasileiro, especialmente na subseção destinada à variação lexical.

Ao final do capítulo 1, junto ao resumo, há um interessante esquema que procura sintetizar as unidades lexicais do português conforme dois eixos principais: palavras em desuso e neologismos (formação de palavras e empréstimos).

O segundo capítulo, intitulado Palavras e Unidades Lexicais, inicia sua primeira subseção tratando do conceito de palavra. Os autores refletem, por um lado, acerca das diferentes noções de palavras conforme o domínio de análise (fonológico, morfológico, sintático ou semântico). Por outro lado, são discutidas algumas noções de palavras, como palavra existente, palavra atestada e palavra possível. Ao final, estabelece-se o que os autores consideram como palavra: “termo que identifica um dos tipos de unidades lexicais, a par dos constituintes das palavras e das sequências de palavras lexicalizadas” (p. 85). A segunda e a terceira subseções tratam justamente dos constituintes das palavras (radicais, afixos, sufixos derivacionais, afixos modificadores e sufixos especificadores) e das sequências de palavras lexicalizadas. Em relação aos constituintes das palavras, em particular, os autores propõem uma classificação conforme a função gramatical desempenhada, a saber: núcleo, complemento, modificador e especificador. A quarta subseção deste capítulo sugere o uso do modelo de assinatura categorial (traços categoriais) como alternativa para formalizar os atributos das unidades lexicais que apresentam relevância do ponto de vista morfossintático.

O terceiro capítulo da obra, intitulado Problemas de Categorização, tem por principal objetivo discutir as classes de palavras enquanto sistema de categorização das unidades lexicais. Por um lado, o sistema de classificação tradicional, de origem latina, é amplamente utilizado para o português; por outro lado, os autores constatam que esse sistema não se adéqua totalmente ao português por não permitir, por exemplo, que se estabeleçam fronteiras claras entre as classes de palavras.

As demais subseções deste capítulo questionam o gênero enquanto categoria motivada por elementos extralinguísticos e a contribuição da fonologia às questões de alomorfia no português.

A seguir, analisar-se-á o capítulo 4, intitulado Lexicografia e Descrição do Léxico. Para os autores, a lexicografia seria a consequência natural da aplicação dos estudos lexicológicos através de instrumentos como os dicionários. A respeito da introdução que inicia o capítulo, são necessárias algumas considerações. Em primeiro lugar, os autores consideram o dicionário como mero documento. Na verdade, um dicionário é um instrumento de orientação em relação à língua. Por essa razão, constitui-se um instrumento de caráter didático.

Em segundo lugar, os autores mencionam que os dicionários, “apesar das promessas de exaustividade, estão longe de reunir as palavras em uso num determinado período histórico e desconsideram inúmeras variedades dialetais, diafásicas e tecnoletais” (p. 187). Esta afirmação parece generalizar o instrumento dicionário a um único tipo: os dicionários gerais de língua. Um dicionário geral, de perspectiva semasiológica, almeja a exaustividade, ou seja, abarcar o maior número de eixos do diassistema de uma língua. No entanto, existem também dicionários de outros tipos, como os escolares, de uso ou os dialetais, que propõem apresentar apenas eixos específicos do diassistema de uma língua – e que, por isso, não almejam necessariamente a exaustividade.

Em terceiro lugar, os autores afirmam que “a representação do léxico é desproporcionada, na medida em que [sc. o dicionário] geralmente não fornece indícios da frequência ou adequação comunicativa das palavras” (p. 187). Por um lado, ainda que não forneça indícios de frequência das palavras, um dicionário é capaz de distinguir, por exemplo, uma palavra menos frequente de uma mais frequente (em se tratando de duas palavras diferentes que compartam o mesmo significado). Indiretamente, é possível fazer essa distinção através de um sistema de remissões, embora tal sistema não se restrinja a salientar formas de frequência diferente. Através desse mecanismo, o consulente que se depara com uma palavra de baixa frequência pode ter sua busca direcionada a outra palavra com significado correspondente e que seja mais frequente. Por outro lado, um dicionário não é capaz de estabelecer se uma palavra é adequada ou não em uma dada situação de comunicação. O que o dicionário é capaz de fornecer são, por exemplo, marcas de uso, tais como formal, vulgar, depreciativo, coloquial, entre outras.

Na subseção dedicada às tipologias lexicográficas, os autores apresentam um modelo tipológico de classificação e fornecem um esquema adaptado desse modelo, “que inclui exemplos de tipos de obras existentes para a língua portuguesa” (p. 193). Neste esquema, estão incluídos apenas os nomes dos tipos de dicionários provenientes da tipologia utilizada (dic. analógico, dic. dialetal, entre outros). Para que o esquema possa ser melhor assimilado pelo leitor, teria sido mais proveitoso incluir exemplos de dicionários para cada tipo presente no esquema. Dessa forma, o leitor poderia ter uma noção mais clara a respeito das diferentes obras em questão.

Na subseção sobre tipologias, é necessário atentar também para a definição atribuída ao conceito de macroestrutura do dicionário. Os autores afirmam que a macroestrutura é “o conjunto de elementos ordenados que permitem o acesso à informação linguística” (p. 194), ou seja, o conjunto de lemas que conduzem ao verbete. A definição fornecida pelos autores contempla a macroestrutura enquanto estrutura de acesso à informação, que pode ser estabelecida através do critério de progressão alfabética ou outro critério. No entanto, o conceito de macroestrutura é mais amplo, abarcando uma dimensão quantitativa e outra qualitativa. A macroestrutura quantitativa corresponde ao critério estatístico de frequência considerado para a inclusão de palavras no dicionário. Além da frequência, a seleção de critérios sin- ou diassistêmicos para escolha do léxico a ser incluído no dicionário também está relacionada à macroestrutura quantitativa. A macroestrutura qualitativa, por outro lado, contempla o tratamento atribuído aos seguintes casos: a) palavras simples (forma type, ou canônica, e forma token, ou de menor prestígio); b) famílias de palavras (ordenação lisa, nicho léxico ou ninho léxico); c) a pertinência de lematizar nomes próprios; d) prefixos e sufixos; e e) soluções homonímicas ou polissêmicas para tratar dos diferentes significados associados a uma mesma forma. É possível notar, ao longo da subseção, que os autores atribuem uma atenção excessiva à dimensão quantitativa, deixando de considerar a dimensão qualitativa.

Outro aspecto que merece um olhar atento são as considerações acerca dos dicionários eletrônicos disponíveis na internet (online). Para os autores, os dicionários online possuem a “perspectiva da constante atualização, em estreita relação com o trabalho dos lexicógrafos” (p. 197). Nesses dicionários, os resultados das correções e revisões seriam mais rapidamente incorporados, de maneira que deixariam de ser meras versões de dicionários impressos. Carece-se, no entanto, de um exemplo de dicionário que possa atestar as afirmações feitas pelos autores. Acrescenta-se a isso o fato de que as diferenças entre estes e os impressos se resumem, em grande parte, às maiores possibilidades de busca oferecidas pela sua estrutura de acesso. Em termos de conteúdo, muitos dos dicionários online disponíveis ainda são, na verdade, reproduções de uma obra impressa já existente, não configurando uma publicação inédita.

O último capítulo está constituído por um apêndice de exercícios, que consiste em um conjunto de atividades práticas envolvendo a exposição realizada ao longo dos três primeiros capítulos. Em geral, os exercícios conseguem atingir o objetivo ao qual se propõem. Das 24 atividades, é necessário atentar apenas para um aspecto relativo ao exercício 6. Neste exercício, pede-se que o leitor consulte uma determinada lista de palavras, indicada pelos autores, em dois dicionários: um geral e outro etimológico. Em sua consulta, o leitor deveria identificar significados antigos, que não existam no português contemporâneo. Diante dessa proposta, cabe questionar quais benefícios o leitor teria em identificar significados antigos de palavras; ou seja, qual uso o leitor poderia fazer dos resultados obtidos a partir de sua busca.

De modo geral, Introdução ao estudo do léxico: descrição e análise do português apresenta uma interessante e exaustiva descrição do léxico de língua portuguesa. Na primeira dimensão identificada, é evidente a preocupação dos autores em aclarar certos aspectos teóricos relativos ao estudo lexicológico através do fornecimento de uma vasta quantidade de exemplos. Nesse sentido, a subseção destinada às variações lexicais entre o português peninsular e o brasileiro é um dos melhores exemplos desse cuidado.

No que concerne às discussões teóricas dos capítulos 1, 2 e 3, os autores buscam questionar sempre que possível as teorias vigentes acerca dos estudos lexicais. No entanto, percebe-se que algumas discussões poderiam ser complementadas com alguns conceitos, como sistema, língua histórica, língua funcional, norma real e norma ideal. A ausência desses conceitos impede que a explanação acerca de norma e dialeto seja mais produtiva.

Na segunda dimensão, relativa à lexicografia, a projeção da lexicologia sobre a lexicografia não parece bem fundamentada. Na introdução do capítulo 4, há problemas relativos principalmente à definição de dicionário (no momento em que este instrumento é considerado como mero documento) e à generalização das características dos diferentes tipos de dicionários no que concerne à exaustividade.

Em relação ao capítulo 4, conforme já salientado, há também problemas relacionados à definição de macroestrutura e aos dicionários online.

Em suma, pode-se concluir que se trata de uma obra que atende, com algumas ressalvas, às perspectivas de descrição do léxico do português. No entanto, a parte dedicada à lexicografia carece de um embasamento teórico mais pro